Por Lilian Loureiro
A maternidade e a paternidade são vivências que transformam
a identidade da mulher e do homem. Neste primeiro artigo, iremos discutir a
repercussão desta questão na mulher; no segundo como a gravidez afeta o homem e
no terceiro mostrando como a gravidez repercute no casal.
Como a gravidez afeta a mulher
A gravidez é um momento de profundas transformações, tanto
no nível orgânico para a mulher, quanto no emocional para o casal. Para a mulher,
além do corpo se modificar para poder abarcar uma nova vida, o psiquismo também
precisa de uma transformação, uma vez que uma nova identidade começa a surgir:
a de mãe. Em função disso, muitas vezes a gravidez modifica o relacionamento do
casal e a percepção que se têm do corpo, o que muitas vezes acaba interferindo,
tanto positiva, quanto negativamente na sexualidade do casal.
Como já foi discutido em nossos artigos anteriores, há uma
cisão entre a mulher "pura", "de família", "a
santa"; e a mais atirada, aberta aos seus desejos, "a
prostituta", como se não fosse possível a coexistência de ambas de forma
integrada em uma mulher. Tal cisão é muito freqüente durante a gravidez, de
forma que o sexo é extinto. Para muitas pessoas é como se a maternidade e a
lactação representassem a completa cisão entre esses dois aspectos da mulher,
de modo que o sexo passa a ser visto como sujo, feio e maléfico para o bebê.
Em muitos casos, a mulher sente dificuldade em aceitar as
modificações corporais durante a gravidez, sentindo-se feia, gorda não atraente
para o parceiro e, portanto, não disponível para o relacionamento sexual. Além
disso, também é comum o medo de que a relação sexual possa atingir e machucar o
feto, de forma que a cisão maternidade/sexualidade tende a permanecer e/ou
aumentar.
Deméter e Afrodite
Podemos entender esta cisão a partir de duas deusas gregas:
Deméter e Afrodite. As deusas gregas representam características arquetípicas,
potencialidades presentes em todos os seres humanos, sejam homens ou mulheres.
Deméter representa arquetipicamente o aspecto mais maternal, voltado ao
cuidado, proteção, nutrição, negligenciando muitas vezes a si mesma, em função
de ser tão voltada a sua prole. Por conta disso, pode-se dizer que tanto na
fase pré-natal como natal, este arquétipo está bem ativado. Apesar disso, as
outras deusas também estão presentes, mas muitas vezes numa intensidade menor.
Afrodite por sua vez é a deusa do amor, que representa a
sensualidade, a sexualidade, o belo, o corpo, o prazer. Também esta voltada
para a procriação, mas não como Deméter que é mais focada na gravidez em si e
no seu fruto, representada pelo bebê, mas sim na relação sexual propriamente
dita e no prazer que é proporcionado a partir dela. Afrodite, enquanto
arquétipo, também esta presente na gestação, algumas vezes cindido (separação
santa X prostituta), mas outras, ativado.
Muitas mulheres têm a primeira experiência de orgasmo
durante a gestação
Podemos compreender isso de duas maneiras:
a) Isso ocorre, porque com a vivência da maternidade, as mulheres
assumem uma postura adulta, e se permitem uma sexualidade adulta (podem sentir
prazer)
b) O arquétipo de Afrodite foi ativado pela gravidez, de forma que a
mulher possa se sentir a vontade com sua própria sexualidade. Contudo, podemos
resumir estas duas maneiras em uma: é como se o contato com Afrodite se desse
com a gestação, de forma que este arquétipo foi ativado em conjunto com o de
Deméter, sinalizando a potencialidade de integração de aspectos aparentemente
contraditórios.
Fontes
(1) BOLEN, Jean Shinoda. As Deusas e a Mulher: nova psicologia das mulheres. Trad.
Maria Lydia Remédio. São Paulo: Paulus, 1990.
(2) BROWN, Dan. O Código da Vinci. Trad. Celina Cavalcante. Rio de Janeiro:
Sextante, 2004.
(3) JUNG, Carl Gustav. Memória, Sonhos e Reflexões. Trad. Dora Ferreira da
Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 22ª edição.
(4) MALDONADO, Maria Teresa. Psicologia da Gravidez: Parto e Puerpério. São
Paulo: Saraiva, 1999.
(5) MOREIRA, Maria Ignes Costa. Gravidez e Identidade do Casal. Rio de Janeiro:
Record: Rosa dos Tempos, 1997.
(6) SOIFER, Raquel. Psicologia da Gravidez, parto e puerpério. Trad. Ilka Valle
de Carvalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980.
(TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA ELETRÔNICA VYA ESTELAR, COLUNA AMOR EM 2005)