24 de novembro de 2016

Tornar-se quem se é: o rio que encontra o mar

Na tortuosa jornada da individuação nos deparamos com os mais diversos desafios. Nos sonhos, tais desafios podem ser representados por criaturas horrorosas, ferozes, devoradoras... Em estado de vigília, são representados por situações, encontros desagradáveis que inevitavelmente temos que vivenciar...  

Eis o desafio de tornar-se quem se é: diante de uma situação desagradável qual tua reação? Procura evitá-la a qualquer custo, pagando o preço necessário, mesmo que além dos seus recursos, para tirá-la da frente? Encara o desafio jogando-se de cabeça, sem crítica e reflexão dos riscos que poderá vivenciar, podendo até sucumbir a tamanha desconsideração? Ou encara o fato desagradável e "bate um papo com ele"?

A terceira saída seria a mais adequada, mas nem sempre possível e ao alcanço de quem enfrenta tais desafios. Requer certa maturidade e estrutura egoica no sentido de suportar a tensão: "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come"... Apenas suportando o conflito  que a possibilidade de sair dele pode emergir: Porquê não perguntar, conversar com o tal "bicho": qual a finalidade de você me perseguir? Haja coragem para enfrentar tamanho pavor!!! Quem teve ou ainda tem medo do escuro, bicho papão, fantasma, espírito, aparição, sabe o que estou dizendo...

A perspectiva simbólica me encanta e faz parte do meu jeito de ser e estar no mundo abordar os acontecimentos dentre desta perspectiva: é como se a vida nos apresentasse inúmeros confrontos, eu diria até que seriam "testes" para avaliar e nos mostrar se estamos no "próprio caminho" ou seguindo trilhas batidas que não nos dizem respeito; ou em outras palavras: se estamos no caminho e direção da "meta" da individuação; se somos o rio em busca do mar, ou se nos perdemos e nos represamos em algum ponto de nossa história... Justamente pelo meu viés simbólico, vejo tais desafios como oportunidades, tanto por vivência pessoal, como por acompanhar tantos processos ao longo da minha jornada clínica.

Quando encaramos e conversamos com o "bichão papão" há um posicionamento perante o imponderável, um reconhecimento de sua presença e abertura, de forma que tal disposição já encerra uma saída para tensão. Claro que convêm mencionar, que diante de tal empreitada não há garantia alguma de sucesso ou melhora; servir como alimento de expectativas egoicas não encontra espaço nessa ceara, de forma que nem sempre o desfecho é conforme o esperado; não promove a colheita almejada... Até porquê ao enfrentar tamanho desafio não se faz ideia de que tipo de semente está sendo semeada; mas que há fertilização, não tenho dúvida! Em detrimento dos resultados imediatos, gosto da perspectiva daquela linda história que diz: "quem planta uma árvore, não planta para aproveitar sua sombra; mas porque acolhe o chamado de sua alma e por saber que, de certa forma, "sua árvore" proporcionará sombra para as gerações futuras..."

Diante disso, vejo o quanto a psicoterapia e o trabalho clínico, passam longe, muito longe do clichê individualista, elitista, segregador e assistencialista que se vê por aí. Muito pelo contrário, ao enfrentarmos o desafio de nos tornarmos quem somos, não é apenas o indivíduo quem ganha, mas o mundo, como um todo maior ganha também!!! A sociedade de forma ampla cresce, amadurece, prospera com pessoas mais conscientes. Quanto mais sei de mim, dos meus medos, receios, preconceitos, intolerância, mais sensível ao outro eu fico! Quanto mais me conheço, mais empático posso ser e ao me colocar no lugar do outro não correrei o risco de "me perder" no medo dele... Enfrentando meus monstros internos e externos contribuo para construir um mundo melhor! A ideia de Rizoma de Joseph Cambray, cai muito bem aqui! Assim como numa floresta todas as criaturas que ali habitam estão conectadas em suas profundidades por meio de seus rizomas; assim somos nós! Interconectados não apenas com os "rizomas humanos", mas com o "rizoma da vida"!

Questionar o que me incomoda, o que me causa medo, pavor, intolerância, desejo, pode representar abertura, possibilidade de diálogo, de integração. Se vejo uma injustiça a ponto de ser tocada e mobilizada por ela e não faço nada com isso, perco muito! Não apenas por não ter protegido o injustiçado, mas como consequência do compromisso ético que tenho comigo mesma! E não assumindo o chamado da minha alma, tocada e mobilizada pela "injustiça", represo meu rio impedindo-o que alcance a plenitude de encontrar o mar... 

Créditos imagem: Eu também quero ir - dicas de viagem (artigo guia-de-imbassai)  

14 de outubro de 2016

ADAPTAÇÃO: QUAL A REGRA DO JOGO?


Em buscar por um lugar ao sol, astro rei que nos últimos dias não tem se feito muito presente em minha querida Curitiba, lá vou eu para mais uma "travessia"...

Quarta-feira, 12 de outubro, resolvei vencer minha resistência e me aventurar no universo YouTube! Vivenciei a aventura de maneira leve, fluída, minha cara... Sem script, falando conforme a ideia vinha... Assim foi e como resultado fiz um vídeo de quase 15 min, MUITO fora do que o "padrão YouTube" sugere (algo entre 4 a no máximo 6). Chutei muito longe do gol, simplesmente o DOBRO da distância esperada...

Além do quesito tempo, são tantos outros cuidados que se tem que ter e pensar ao se aventurar no universo dos vídeos... Eu, que inocentemente achei que era SÓ ter uma ideia ir lá e gravar... isso seria mais que suficiente... Não, não não!!! 

A bola fora do tempo, foi apenas UM, dos inúmeros chutes errados que dei: 2) chutei na trave do enquadre da câmera: não fiquei alinhada ao Setting, além do que quando lia o texto que me propus, o ângulo da câmera cortava meu queixo... 3) Ao invés de olhar para câmera, "olhava" pros meus pensamentos e divagações... 

Tantas coisas para se considerar, cuidar... Pensei comigo, "poxa, mas não é conteúdo o que mais importa?". E após dividir o vídeo com algumas pessoas queridas para ter o feedback delas, a resposta foi: "Infelizmente não!". Muitas vezes, mesmo o conteúdo sendo fantástico, sem os devidos cuidados com os tais quesitos, o vídeo torna-se pouco atrativo o que não gera visibilidade. E um assunto tão legal e relevante acaba não sendo bem aproveitado...

Confesso que ao ouvir isso senti uma enorme preguiça e meu LADO REBELDE e um tanto quanto anárquico, que não admite ser corrompido por sistema que nos força a "caber" em caixinhas pré-formatadas, virou os olhos de forma um tanto quanto petulante e pensou: "Definitivamente não nasci pra isso! Vou continuar com meus textos aonde me sinto livre e leve para escrever da forma que tiver vontade". 

Quando então, outro lado, o LADO INSTIGANTE E QUESTIONADOR, que por sinal é muito bem informado e embasado teoricamente,  soprou em meu ouvido: "não se esqueça daquilo que Jung diz e que você tanto trabalha com alguns pacientes: opus contra naturam... Desenvolver-se significar ir contra a inércia, sair do seguro, enfrentar desafios... 

Se esse tal lado tivesse dito APENAS isso, já teria sido o suficiente. Mas não, ele não se deu por satisfeito e complementou: "lembra do antídoto contra as Crenças Irracionais do Método do Coaching Racional, especificamente as frases: A realidade é o que ela é e não o que eu gostaria que fosse! O universo não foi construído para que eu dentre todas as pessoas tenha uma vida mais fácil que as demais". 

Para arrematar e acabar comigo e com a minha resistência de vez, lembrou-me da palestra maravilhosa que Rosely Sayão  ministrou em Curitiba há umas 2 semanas atrás, e dentre tantas coisas que foi discutido, o tal lado destacou o ponto em que ela abordou a questão do LIMITE. Segundo Rosely, limite é uma palavra interessante, paradoxal, que hora significa uma coisa, hora significa outra. Deu como exemplo as Paraolimpíadas: para se jogar futebol é preciso ter o LIMITE do campo. Sem campo não há jogo. É imprescindível delimitar o território onde a partida será jogada, deixar clara quais são as regras do jogo, caso contrário não haverá brincadeira e sim barbárie... 

Em contrapartida, a particularidade das paraolimpíadas é justamente as limitações físicas dos atletas. Limitações essas que poderiam até impedi-los de competir. E aí que vem o lado paradoxal do LIMITE: por essa perspectiva respeitá-lo significa não jogar, estagnar e render-se à limitação. Para que os atletas paraolímpicos joguem é necessário que superarem o próprio limite físico, se desenvolvam, para assim darem o show que deram, nos mostrando a força e capacidade incrível que o ser humano tem.

Bom, acho que dá para imaginar o final da história, né... Diante de tantos argumentos que a "bendita" voz questionadora soprou, estou tendo que me a ver com minha resistência e pensado que nessas horas ignorância seria um dom... Conhecimento é via de mão única, uma vez que adquirido, é um caminho sem volta, não há retorno! 

Então, ao invés de ser rebelde contra o sistema youtube, bora lá rebelar e radicalizar minhas próprias limitações... O campo do jogo tá na área, cabe a mim aprender a jogar, entender quais são as regras e assim poder desfrutar da brincadeira...

Como na vida tudo é uma questão de perspectiva, resolvi encarar o desafio não mais pela busca por um lugar ao sol com jeito jeito "diferentão" de ser, mesmo porque não tenho a menor pretensão de ter visibilidade pela visibilidade; minha intenção sejam com meus textos, posts e agora vídeo é compartilhar temas e conteúdos que propiciem janelas de reflexão para o autoconhecimento daqueles que tenham coragem de se empreende por esses caminhos... Enfim, o desafio agora foi potencializado pelo motivador intrínseco de minha própria auto-superação!

Ótimo final de semana, eu vou ali aprender as regras do jogo e logo mais volto com novidades!!!  ;)

27 de setembro de 2016

O FALSO TIPO: QUANDO UM TOUREIRO COMO TOUREIRO É UM SENSÍVEL CANTOR

A experiência de conduzir o grupo de estudos Os primeiros passos do jovem psicoterapeuta junguiano” está sendo muito enriquecedora para mim! Aquela frase de Jung que diz: “O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação. ” é totalmente pertinente ao que os encontros estão me proporcionando!  Única diferença é que são várias personalidades e não apenas 2.

Pois bem, quando idealizei o grupo e sua formatação, tinha algumas ideias de por onde seguir, quais diretrizes adotar; formato, frequência e número de encontros, assim como alguns conteúdos imprescindíveis que pretendia abordar. No entanto deixei um espaço para que outras “potencialidades” pudessem vir a se apresentar. Precisei conter minha ansiedade e necessidade de controle, planejamento e programação para deixar que as identidades dos grupos se apresentassem, assim como as necessidades emergissem. Foi assim, que ao longo do percurso inclui encontros direcionados à discussão da Tipologia Junguiana.

Como são duas turmas terça e sábado, no intervalo entre os encontros e a partir do que foi trabalhado no encontro anterior, novas ideias sempre brotam, assim como novo símbolos vêm à tona... Que delícia, refletir, pensar, problematizar, ampliar perspectivas e horizontes! E foi assim que entre terça e sábado da semana passada veio a reflexão sobre o Falso Tipo.

Segundo Von Franz (1990), algumas pessoas sentem dificuldade para descobrir o próprio tipo psicológico, o que segundo ela, se deve ao fato de serem TIPOS DISTORCIDOS ou FALSOS TIPOS: acontece nos casos em que alguém que seria originalmente um tipo sentimento ou intuição foi forçado pelo meio ambiente a desenvolver outra função. Em suas palavras, “suponha-se que um garoto tenha nascido tipo sentimental numa família intelectualmente ambiciosa. Seu ambiente exercerá pressão para que ele se torne um intelectual e a sua predisposição natural como tipo sentimental será frustrada ou desprezada. Geralmente, em casos como esses, a pessoa é incapaz de tornar-se um tipo pensativo, porque o passo seria grande demais. Porém, ela pode muito bem desenvolver a sensação ou a intuição, uma das funções auxiliares, afim de adaptar-se melhor ao meio; a sua função principal está simplesmente “deslocada” do meio em que ela cresce”. (p. 14-15)

Para a autora, existem vantagens e desvantagens nisso. O lado negativo é não ter a chance de se desenvolver desde o início por meio de sua disposição principal; por outro lado, o positivo é que tais pessoas já terão desenvolvido o que cedo ou tarde teriam que desenvolver. Zacharias (2006), problematiza o tipo falso e complementa a visão de Von Franz, dizendo que o tipo falso ocorre quando uma pessoa se identifica com os aspectos dado pelo coletivo social, ou seja, com a persona mais adequada para se viver em um determinado meio. Tal pessoa adere a uma máscara psicológica para conseguir conviver em seu meio, o que não corresponde à sua verdadeira dinâmica intrapsíquica, o que acaba lhe trazendo alguns danos. Ampliando simbolicamente o falso tipo, apresento minha reflexão:

FESTA NO CÉU

Um lindo exemplo da atuação do falso tipo e sua consequente superação pode ser observado na animação “Festa no Céu”, estória que se passa no México e aborda a importante data comemorativa Dia dos Mortos. O enredo aborda a relação de três amigos criados juntos, mas que acabam se separando quando jovens e voltam a se reencontrar quando adultos: Manolo, Antônio e Maria são eles. Manolo nasceu em uma família de toureiros. “Todo Sanches deve ser um toureiro!”, diz o pai de Manolo. Ele até tenta ser, gostaria de ser, mas sua alma é de músico, o que não é visto, reconhecido, aceito e valorizado por sua família, principalmente por seu pai.

A estória se desenrola (recomendo assistir a animação), e Manolo acaba sendo trapaceado e enganado, acabando morrendo para encontrar sua amada, mas não a encontra porque ela não morreu. Para voltar à vida, faz um acordo com Xibalta, Rei do Mundo dos Esquecidos: se vencer o desafio, poderá voltar ao mundo dos vivos e assim reencontrar sua amada Maria. Acordo firmado e Manolo segue em sua jornada heroica, com a ajuda de seus antepassados mortos. Ao longo da animação ele consegue não apenas voltar à vida e reencontra a amada, como também provar a seu pai seu valor como músico e por não concordar com a tourada.

Em uma imagem, que para mim é a mais linda do filme, Manolo enfrenta seu último desafio: deve enfrentar um monstro: a somatória de todos os touros que foram desafiados e derrotados por seus familiares e antepassados. Na grande arena de batalha aparece um animal imenso em chamas. Manolo fica minúsculo diante daquela monstruosidade. Ao ver seu reflexo em seu violão, Manolo cai em si e percebe que aquela batalha só poderia ser enfrentada com seu recurso mais genuíno e autentico: cantar com seu coração. É desta forma que ele então enfrenta a terrível criatura, com um duelo diferente, ELE CANTA COM O CORAÇÃO PEDINDO PERDÃO POR TODO O PASSADO.

Vale muito a pena assistir a cena a qual me refiro: 
Versão português: https://youtu.be/EiX3UUMatFk


Quis compartilhar essa reflexão, pois identificar o “falso tipo” não é restrito ao universo psicoterapêutico. Nos processos de Coaching e Orientação Profissional "falsos tipos" também podem aparecer. Diante disso, o profissional deve estar muito afinado e sensível ao processo para não ir escancarando o tipo distorcido, como parto feito a fórceps. É preciso cuidado, cautela, pois assim como é simbolizado na animação, uma morte precisa ocorrer para o genuíno poder nascer. Adentrar o Mundo dos Esquecidos não é tarefa fácil e que não pode ser empreendida a qualquer momento... Tudo a seu tempo... A vida dá sinais sobre o momento em que a jornada heroica precisa ser empreendida. Momentos de perdas, fracassos, em que nos sentimos no fundo do posso, destruídos emocionalmente pode ser o sepulcro aguardando a transformação morte/vida. 

Diante da reflexão apresentada e das discussões propiciadas nos grupos, fica reforçado para mim o cuidado que temos que ter com teorias e instrumentos. Longe de categorizar ou rotular, tais recursos devem estar a serviço de algo maior. Ficar no rótulo não leva a lugar algum, pelo contrário, pode servir a um propósito contrário podendo estagnar e até impedir um processo de transformação. O resultado de um instrumento ou de uma avaliação deve servir como um ponto de partida para se explorar a dinâmica psíquica do sujeito, entender seus meandros energéticos, jamais como ponto de chegada! 

E para fechar, mais uma do mestre: "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana". (Jung)

Referências consultadas:


JUNG, C. G., A Prática da Psicoterapia. RJ: Vozes, 1985.
JUNG, C. G., Ab-reação, Análise de Sonhos e Psicologia da Transferência. RJ: Vozes, 1987.
VON FRANZ, M.L A Função Inferior. In: A Tipologia de Jung. São Paulo: Cultrix, 1990.
ZACHARIAS, J. J. M. Tipos a diversidade humana. São Paulo: Vetor, 2006. 

21 de setembro de 2016

CRISE, LIDERANÇA E PRINCÍPIO FEMININO

Semana passada, buscando referências e indicações de profissionais de Mentoring cheguei a uma matéria que me propiciou algumas reflexões e que me levaram a fazer um link entre as diferentes temáticas de estudo que tenho interesse. A matéria em questão foi: “Por empresas mais femininas”, de Vick Block, a qual inclusive, compartilhei em meu Linkedin.

O artigo explora uma pesquisa que aponta a relevância e importância de se ter mulheres no comando das organizações. Longe de ser o levantamento de bandeira feminista, o artigo aborda como o panorama atual precisa resgatar dos valores do princípio feminino que foram perdidos e execrados pela cultura patriarcal.

Abro um parêntese, para explicar dentro da perspectiva junguiana que masculino e feminino, na qualidade de princípio, energia, essência, não se restringem apenas ao gênero homem/mulher. Seria como os princípios  YIN/YANG da tradição chinesa. O princípio masculino é a energia da força, da direção, da determinação, objetividade, concretude, corte, assertividade e está presente tanto em homens como em mulheres; assim como o princípio feminino, que também está presente em homens e mulheres, mas que carrega outro tipo de energia: do acolhimento, cuidado, aconchego, nutrição, inclusão, suporte, subjetividade, desenvolvimento, envolvimento. Masculino/Feminino não são opostos no sentindo de um melhor que o outro; ou um mais positivo que o outro, mas sim opostos complementares. Ambos precisam existir e se relacionar. O problema é o excesso, a sobreposição. Por isso, escolhi a imagem do TAO, no sentido de simbolizar a complementaridade de ambos.  

O modelo de gestão CHEFE é totalmente impregnado pelo princípio masculino.  Até recentemente, esse era o modelo valorizado: alguém que usava o seu poder de forma diretiva, mas abusiva para que as pessoas o obedecessem, mantendo a sua equipe em posição inferior. Infelizmente, essa realidade ainda ocorre em muitas empresas, mesmo mostrando-se cada vez mais menos efetiva e competitiva. Contudo, o atual panorama tem mostrado que esse modelo de gestão tão unilateral e calcado no princípio masculino, mesmo tendo tido sua importância e relevância em muitas conquistas e produções , está perdendo espaço: aquele que ordena, grita, chegando até a humilhar a equipe e a gerir num clima de medo perdeu sua vez. Hoje, o modelo de gestão exigido é outro, sendo o capital humano um fator importantíssimo a ser identificado, valorizado, desenvolvido e não mais acuado.

De acordo com Block, “Estudos têm demonstrado que as competências mais requisitadas nas organizações atualmente são as características consideradas femininas, como paixão, preocupação com valores, causa, administração de conflitos a favor do grupo, inspiração, flexibilidade, preocupação com as pessoas, brilho nos olhos, acolhimento, coesão.”

As competências descritas por Block vão ao encontro do novo paradigma empresarial simbolizado pela figura do LÍDER COACH, modelo de gestão muito mais eficiente e que ganha cada vez mais espaço, trazendo crescimento não apenas econômico, mas humano. 

De acordo com Di Stéfano (2005), o líder é o responsável por criar o clima organizacional a fim de que a sua equipe produza e consiga alcançar os melhores resultados. Desta forma, precisa ser um mobilizador, alguém que motive o crescimento dos liderados, contribuindo para formar equipes autossustentáveis. Segundo o autor, o líder-coach desenvolve a liderança pela admiração, ou seja, conquista a lealdade dos liderados, sendo referência para a equipe. As pessoas tendem a não querer desapontar quem admiram, então se empenham mais, podendo agir com maior motivação. O que as pesquisa apontam é que ser humano aprende e se desenvolve quando percebe que sua dignidade está sendo respeitada. Dentre as características do líder coach, podemos destacar: 
  • habilidade em compartilhar conhecimentos, gerenciar a si mesmo, desenvolver o autoconhecimento e as competências pessoais;
  • é alguém que não costuma aconselhar, ou dar respostar prontas, mas que procura trabalhar a autonomia da equipe, ajudando cada um a aprender a pensar soluções por si próprio;
  • que não quer mudar a personalidade de ninguém, mas ajudar a expandir a quantidade de respostas, aumentar as escolhas diante das circunstâncias e desenvolver possibilidades de respostas mais efetivas;
  • que faz perguntas que conduzam o liderado a reflexões efetivas e mobilizadoras.

A partir da visão de Di Stéfano, fica evidente que para a implementação do novo paradigma da empresa humanizada através da figura do líder coach,  o FEMININO, não apenas na perspectiva de gênero (ter mais mulheres no comando), mas na qualidade de PRINCÍPIO precisa ser incorporado, cultivado e desenvolvido no meio corporativo.  Apenas desta forma que as empresas poderão se tornar mais humanas, adaptadas e produtivas perante o atual cenário mundial e econômico. Portanto, o conceito de líder coach traz o resgate da essência do feminino como princípio: não existe possibilidade de criar uma cultura organizacional mais humanizada, na qual o líder coach seja o modelo de referência sem que se desenvolvam características do universo feminino. 

Dar mais espaço para as mulheres assumirem o comando é um passo, mas a mudança de visão e de valores, ampliando o FEMININO dentro da perspectiva aqui apresentada é crucial!


Referências consultadas:
DI STÉFANO, R. O líder: coach. São Paulo: Qualitymark, 2005. 

27 de agosto de 2016

Sobre ser psicóloga

Dia 27 de Agosto dia do Psicólogo, data comemorativa, mas convenhamos, todos os dias são nosso dia!

Ser psicóloga para mim, além de ser minha identidade profissional, minha profissão, meu “ganha pão”, é meu ofício. Não sei o que poderia ser se não fosse psicóloga, mais especificamente psicóloga clínica.  Cuidar da alma, da essência é necessidade básica da minha psique.

Não é um trabalho fácil, mas fascinante, deslumbrante... Inclusive em todas as dificuldades que apresenta. Muitas vezes não trabalhamos apenas com o belo, com o que pode ser desenvolvido, transformado, “melhorado”... Vez ou outra, nos deparamos com pontos obscuros da psique humana difíceis de lidar. Em tais momentos, nos deparamos com nossos limites... Momentos em que sentimos uma inflação egóica e um desejo genuíno em querer tirar aquele que nos procura da própria escuridão, da autodestruição... Difícil perceber até onde podemos ir, o que podemos fazer, o que podemos iluminar e até que ponto não devemos parar, retroagir e em certos casos, até sair de cena... Louco pensar quão terapêutico pode ser sair de cena...

Ser psicóloga é um trabalho intenso, profundo e não conseguimos avançar com alguns casos se não avançamos em nós mesmos... Trabalharmos a nos mesmos o tempo todo: como me sinto, o que sinto; o que me toca, como me toca... E essa laboriosa reflexão nos torna os profissionais que cuidam do que é mais genuíno no ser humano: SUA ALMA! 

Estava aqui refletindo e escrevendo estas palavras sobre nosso dia, tentando lembrar de alguma passagem de Jung que expressasse o que estou tentando transmitir e eis que recebo uma mensagem de felicitações pelo dia e que SINCRONICAMENTE traduz, não apenas por meio do texto de Jung que estava em busca, mas principalmente pela finalidade que ser psicóloga representa:

"Tudo que começa, sempre começa pequeno. Não nos deixemos abater pelo laborioso trabalho executado discreta, mas conscienciosamente, com cada pessoa em particular, embora nos pareça que a meta que buscamos está longe demais para ser atingida. No entanto, a meta do desenvolvimento e da maturação da personalidade individual está ao nosso alcance. E, na medida em que estamos convencidos de que o portador de vida é o indivíduo, se conseguirmos que pelo menos uma única árvore de frutos, ainda que mil outras permaneçam estéreis, já teremos prestado um serviço ao sentido da vida [...]. Ao meu ver, a tarefa mais nobre da psicoterapia no presente momento é continuar firmemente a serviço do desenvolvimento do indivíduo. Procedendo dessa forma, o nosso esforço está acompanhando a tendência da natureza, isto é, estaremos fazendo com que desabroche em cada indivíduo a vida na maior plenitude possível, pois o sentido da vida só se cumpre no indivíduo, não no pássaro empoleirado dentro de uma gaiola dourada." (Carl G. Jung)

Parabéns para nós!!! 

Processo alquímico = transformação da alma. Ver além da aparência,
penetrar no mundo da essência para que a transformação ocorra. 

2 de agosto de 2016

Protagonista da própria história ou refém das circunstâncias?


Aniversários me deixam nostálgica. Inevitável fazer balanços de como era há 1, 2, 3, 4 anos atrás e como está agora...

Comecei a refletir sobre o aniversário de 1 anos de consultório novo, mas o Face com suas recordações me fez voltar no tempo, há 4 anos atrás ...

Explico-me: há 4 anos atrás estive pela primeira vez em Curitiba, oportunidade para conhecer a cidade com grande potencial para vir morar. Na época achei a cidade muito bonita, limpa, organizada, mas não me senti tocada por ela. Meu filho era bebê, o hotel onde estávamos hospedados era próximo à Praça do Japão e resolvi visitá-la. Fiquei horrorizada com a dificuldade para atravessar a rua, no caso a Visconde de Guarapuava, ainda mais com um carrinho de bebê! A tal da via rápida que deixa o trânsito de veículos fluido, dificulta a vida do pedestre. Ninguém para, o fluxo de carros é constante. Uma verdadeira saga... Lembro de ter sido tomada pelo pensamento: “quero minha Sampa!!!, aqui é lindo, mas lá quando preciso atravessar a rua os carros param...”

Alguns meses após essa visita tive que me “render” ao desafio de enfrentar o trânsito de Curitiba e atravessar suas ruas para chegar aos destinos que almejava... Marido mudou-se em outubro e em dezembro de 2012 viria eu com literalmente a “casa toda”.

Protagonista da minha história ou refém da circunstância? Como diriam os mineiros “eita desafio difícil esse soh”: Deixar minha cidade natal, a qual estava absolutamente adaptada, muito bem instalada, feliz da vida, num dos melhores momentos da minha vida pessoal e profissional para mudar-me para uma cidade desconhecida, com fama de ser fria tanto no sentido térmico, quanto humano, das pessoas não olharem na sua cara quando você dá bom dia e que tinha me deixado uma péssima impressão na forma como os motoristas dirigem por aqui...

Confesso que por um tempo fui refém! Abram espaço porque meu ego quer e precisa espernear!!! Chorei, briguei, questionei, me entreguei ao estado de “sofrência”, nada mais justo afinal! Seria exigir demais num primeiro momento do meu “pobre eguinho” desamparado e que teve que abdicar de tantas coisas. E sim, um luto bem vivido faz toda diferença!

Passada a crise, veio a reflexão: “continuar sofrendo me levará a algum lugar?” Sim, com licença que vou ali no banheiro cortar os pulsos e já volto...  Não, esse lugar não era opção, principalmente quando se tem filho para criar. Outra opção, viver comparando uma cidade à outra..., acho que também não...

Não teve jeito, precisei de muita, mas muita paciência mesmo para conseguir atravessar a “rua Curitiba” para conhecer seus encantos, possibilidades e potencialidades, suportar o frio e sentir o calor humano que emana daqui. Mas nada disso poderia ser vislumbrado enquanto o apego ao conhecido e seguro ocupasse todo o espaço da minha mente.

Tornar-se protagonista dá uma trabalheira danada... Mas, no começo, o que mais tinha era tempo, e quando digo tempo é literal e não simbólico.  Em meu primeiro compromisso médico do outro lado da cidade me preparei para sair com o máximo de antecedência, afinal o trânsito é imprevisível, acidentes com motos são frequentes de onde venho e um trajeto de 15 minutos pode virar 50 min com facilidade. Considerando ainda que teria que “atravessar” a cidade, meu deus... Sai com exatos 1 hora e 15 minutos de casa e quando cheguei à consulta tinha 1 hora sobrando: o que fazer??? “Que trânsito é esse meu deus, que não me deixa atravessar a rua, mas que me permite chegar aos lugares mais distantes com tempo de sobra...???”

Tantas coisas para re-significar... de fato a fase de “sofrência” estava dando espaço para a fase de re-significação.

Nesse ponto da história ter feito a formação em Coaching foi divisor de águas em minha vida. Antes de aplicar qualquer técnica aprendida em meus clientes, fui minha própria cobaia e vivenciei na pele o valor que o processo tem. O que não me fez ou faz menos psicóloga clínica, tampouco junguiana. Pelo contrário, potencializou ainda mais minha forma de olhar e lidar com tudo isso. Desde o início conseguia vislumbrar que existia uma finalidade maior em toda essa experiência, por mais difícil e sofrida que estivesse sendo, mas o dia-a-dia estava difícil de suportar. Não fazia ideia de onde me levaria, mas tinha certeza absoluta que chegaria a algum lugar, não só em Curitiba, mas em minha alma.

Pois bem, sigamos com a história e com a técnica de coaching que apliquei em mim mesma, no caso “Coaching de Adversidade”. Passada a fase de AUTO-OBSERVAÇÃO e constatação do estado de “sofrência” no qual me encontrava cheguei à fase de CONTROLE: “o que estaria ao meu alcance controlar? O que poderia fazer para deixar de ser vítima das circunstâncias...?”  Comecei a explorar a cidade, dirigir e caminhar por suas ruas, conhecer novos caminhos e destinos, assim como entrar em contato com algumas pessoas que já conhecia (sem sucesso algum, diga-se de passagem. Pausa para mais uma etapa de sofrência, desta vez mais rápida, graças a deus! Afinal, não há corpo que aguente...), pesquisar por outras pessoas, que não fazia ideia de quem eram e me apresentar, com a maior cara de pau... E não é que comecei a colher os frutos de Curitiba: sim, sou capaz de ser cara de pau! Em SP nunca precisei ser. Esta competência não existia lá, foi desenvolvida aqui! Fui percebendo, reconhecendo e assumindo o que eu poderia mudar e foi assim que cheguei na próxima etapa: ASSUMIR RESPONSABILIDADE por aquilo que podia melhorar.

Foi dessa forma que fui me tornando protagonista da minha história e não mais refém da mudança. Foi assim que sai do caos que impactava todas as áreas da minha vida (ALCANCE) e parecia que não teria fim (DURAÇÃO) para, na definição de Paul Stoltz, deixar de ser DESISTENTE, permitindo que a adversidade “impacto por mudar de cidade” durasse mais tempo do que deveria, me fazendo fugir do novo e do desafiador, e passasse a ser ALPINISTA, buscando por desafios, reagindo de forma adequada e de acordo com a intensidade do problema, indo além. Fui me tornando incansável em buscar por um novo sentido e me esforcei, cresci, melhorei, aprendi e expandi muito em minhas capacidades. Fui em direção ao medo que paralisa tantos outros...

E foi assim que finalmente cheguei ao aniversário que estou comemorando hoje: 1 ano de trabalho em MEU consultório, meu espaço, primeiro idealizado e depois construindo com muita lágrima e trabalho, tanto ocupacional como emocional.

4 anos após visitar Curitiba posso dizer que cheguei onde estava em SP, contudo, cheguei muito melhor, mais madura, sovada pela vida, transformada. Talvez, se tivesse continuado em SP estaria na mesma, não teria amadurecido tanto, construído e conquistado tantas coisas como realizei aqui. Não só cheguei, como fui mais longe.

Hoje já sou capaz de ver com clareza porque o “símbolo de atravessar a rua” me tocou tanto ao chegar aqui pela primeira vez. De fato, todo esse processo foi uma “travessia” densa, profunda, intensa...

Cheguei ao outro lado e tenho certeza que muitas outras travessias me aguardam, cheias de adversidades e oportunidades. Porque sei que sofrer, espernear faz parte e não me privo desta fase não, me entrego e vivencio a dor do que for necessário, mas ficar nela não leva a lugar algum... e há tantos lugares lindos para se conhecer...

Por isso há tanto o que comemorar, foram muitos ganhos e conquistas. Gratidão a Curitiba, a todas as pessoas que cruzaram meu caminho, tanto as que me ajudaram como as que tentaram me derrubar. Sem tudo isso, não seria quem me tornei hoje.

Como símbolo da minha gratidão pensei com todo carinho numa forma de compartilhar essa labuta intensa de transformação e re-significação... diria até ser um ritual meio antropofágico, conforme Oswald de Andrade tão bem definiu..., e que fez muito sentido para mim...


A todos que estão comigo nessa “travessia” MUITO OBRIGADA!!! Espero do fundo do coração que gostem e que sintam o valor que a travessia de Curitiba tem para mim!!!


29 de junho de 2016

Equipes tipo Tênis X Equipes tipo Frescobol

Hoje gostaria de refletir sobre um tema de extrema importância para o mundo organizacional: EQUIPES. Quem é líder sabe a dificuldade de se construir uma equipe coesa, com um propósito em comum, direcionando todo esforço para a necessidade do grupo e não em interesses individuais.  Os desafios são inúmeros, as diferenças entre os membros muitas vezes gritantes, de forma que muitas vezes o líder se vê num beco sem saída! Como contornar a situação? O que fazer para diminuir o foco negativo nas diferenças e tirar proveito delas?
Em função de atendimentos de alguns coachees e refletindo a esse respeito, lembrei-me de um texto de Rubem Alves que adoro e no qual fala sobre o casamento. Trabalho com muitos cônjuges este texto, mas me dei conta de que é possível fazermos uma amplificação simbólica e no lugar do casamento substituirmos por EQUIPE!
O texto em questão chama-se Tênis X Frescobol (já postado no Blog em 21 de janeiro de 2016 - http://lilianloureiro.blogspot.com.br/2016/01/tenis-x-frescobol-rubem-alves.html). Nele, Rubem destaca que existem dois tipos de casamentos: os do tipo tênis e do tipo frescobol. Eis a definição que o autor apresenta:
“(..) Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...
(…) Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis.”
Possível trocar casamento por equipe, não?!
Quantas não são as equipes que jogam tênis entre seus membros? Um querendo aproveitar-se do ponto fraco do outro como arma para tirá-lo da jogada e o mérito ser todo seu…??? Equipes com tal perfil são compostas por pessoas auto-centradas demais e que não conseguem perceber que todos ali estão jogando o mesmo jogo… se um perder TODOS perderão, pois os resultados esperados terão maior probabilidade de ficar aquém do esperado… Enquanto que equipes concorrentes que jogam frescobol se esforçam para corrigir jogadas “tortas”, pois o objetivo principal é manter a bola em jogo internamente.
Jogar tênis só fora, com os concorrentes. Em casa, que tal ficar com a diversão do frescobol…?
Seguindo com as palavras de Rubem Alves…
“Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
Acredito que seja uma ótima metáfora para líderes desenvolverem a relevância da coesão e dos propósitos em comum com suas equipes.

Ótima tarde e jogo de frescobol! ;)

21 de janeiro de 2016

Tênis X Frescobol - Rubem Alves

Ano passado perdemos um grande autor. Autor que abordava temas da vida de maneira poética, metafórica, simbólica... Ele me foi apresentado no final da faculdade e desde então me acompanha com suas simples e profundas metáforas da vida. 

O tema relacionamento amoroso é um tema que desperta meu interesse e que diariamente está presente em meu consultório. Hoje me recordei de uma crônica belíssima que Rubem Alves fez sobre o casamento: há dois times de casamento o do tipo tênis e do tipo frescobol. Tão bela que merece ser compartilhada e refletida.

TÊNIS X FRESCOBOL
RUBEM ALVES

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.
Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...
A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros cadernos, é sobre este jogo de tênis:
Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: "Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?". Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.
Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: "Eu te amo, eu te amo...". Barthes advertia: "Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada". É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma".
Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: "Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo". A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe a mão suspirando: "Tens razão, minha querida". A situação está salva e o ódio vai aumentando.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

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