27 de setembro de 2016

O FALSO TIPO: QUANDO UM TOUREIRO COMO TOUREIRO É UM SENSÍVEL CANTOR

A experiência de conduzir o grupo de estudos Os primeiros passos do jovem psicoterapeuta junguiano” está sendo muito enriquecedora para mim! Aquela frase de Jung que diz: “O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação. ” é totalmente pertinente ao que os encontros estão me proporcionando!  Única diferença é que são várias personalidades e não apenas 2.

Pois bem, quando idealizei o grupo e sua formatação, tinha algumas ideias de por onde seguir, quais diretrizes adotar; formato, frequência e número de encontros, assim como alguns conteúdos imprescindíveis que pretendia abordar. No entanto deixei um espaço para que outras “potencialidades” pudessem vir a se apresentar. Precisei conter minha ansiedade e necessidade de controle, planejamento e programação para deixar que as identidades dos grupos se apresentassem, assim como as necessidades emergissem. Foi assim, que ao longo do percurso inclui encontros direcionados à discussão da Tipologia Junguiana.

Como são duas turmas terça e sábado, no intervalo entre os encontros e a partir do que foi trabalhado no encontro anterior, novas ideias sempre brotam, assim como novo símbolos vêm à tona... Que delícia, refletir, pensar, problematizar, ampliar perspectivas e horizontes! E foi assim que entre terça e sábado da semana passada veio a reflexão sobre o Falso Tipo.

Segundo Von Franz (1990), algumas pessoas sentem dificuldade para descobrir o próprio tipo psicológico, o que segundo ela, se deve ao fato de serem TIPOS DISTORCIDOS ou FALSOS TIPOS: acontece nos casos em que alguém que seria originalmente um tipo sentimento ou intuição foi forçado pelo meio ambiente a desenvolver outra função. Em suas palavras, “suponha-se que um garoto tenha nascido tipo sentimental numa família intelectualmente ambiciosa. Seu ambiente exercerá pressão para que ele se torne um intelectual e a sua predisposição natural como tipo sentimental será frustrada ou desprezada. Geralmente, em casos como esses, a pessoa é incapaz de tornar-se um tipo pensativo, porque o passo seria grande demais. Porém, ela pode muito bem desenvolver a sensação ou a intuição, uma das funções auxiliares, afim de adaptar-se melhor ao meio; a sua função principal está simplesmente “deslocada” do meio em que ela cresce”. (p. 14-15)

Para a autora, existem vantagens e desvantagens nisso. O lado negativo é não ter a chance de se desenvolver desde o início por meio de sua disposição principal; por outro lado, o positivo é que tais pessoas já terão desenvolvido o que cedo ou tarde teriam que desenvolver. Zacharias (2006), problematiza o tipo falso e complementa a visão de Von Franz, dizendo que o tipo falso ocorre quando uma pessoa se identifica com os aspectos dado pelo coletivo social, ou seja, com a persona mais adequada para se viver em um determinado meio. Tal pessoa adere a uma máscara psicológica para conseguir conviver em seu meio, o que não corresponde à sua verdadeira dinâmica intrapsíquica, o que acaba lhe trazendo alguns danos. Ampliando simbolicamente o falso tipo, apresento minha reflexão:

FESTA NO CÉU

Um lindo exemplo da atuação do falso tipo e sua consequente superação pode ser observado na animação “Festa no Céu”, estória que se passa no México e aborda a importante data comemorativa Dia dos Mortos. O enredo aborda a relação de três amigos criados juntos, mas que acabam se separando quando jovens e voltam a se reencontrar quando adultos: Manolo, Antônio e Maria são eles. Manolo nasceu em uma família de toureiros. “Todo Sanches deve ser um toureiro!”, diz o pai de Manolo. Ele até tenta ser, gostaria de ser, mas sua alma é de músico, o que não é visto, reconhecido, aceito e valorizado por sua família, principalmente por seu pai.

A estória se desenrola (recomendo assistir a animação), e Manolo acaba sendo trapaceado e enganado, acabando morrendo para encontrar sua amada, mas não a encontra porque ela não morreu. Para voltar à vida, faz um acordo com Xibalta, Rei do Mundo dos Esquecidos: se vencer o desafio, poderá voltar ao mundo dos vivos e assim reencontrar sua amada Maria. Acordo firmado e Manolo segue em sua jornada heroica, com a ajuda de seus antepassados mortos. Ao longo da animação ele consegue não apenas voltar à vida e reencontra a amada, como também provar a seu pai seu valor como músico e por não concordar com a tourada.

Em uma imagem, que para mim é a mais linda do filme, Manolo enfrenta seu último desafio: deve enfrentar um monstro: a somatória de todos os touros que foram desafiados e derrotados por seus familiares e antepassados. Na grande arena de batalha aparece um animal imenso em chamas. Manolo fica minúsculo diante daquela monstruosidade. Ao ver seu reflexo em seu violão, Manolo cai em si e percebe que aquela batalha só poderia ser enfrentada com seu recurso mais genuíno e autentico: cantar com seu coração. É desta forma que ele então enfrenta a terrível criatura, com um duelo diferente, ELE CANTA COM O CORAÇÃO PEDINDO PERDÃO POR TODO O PASSADO.

Vale muito a pena assistir a cena a qual me refiro: 
Versão português: https://youtu.be/EiX3UUMatFk


Quis compartilhar essa reflexão, pois identificar o “falso tipo” não é restrito ao universo psicoterapêutico. Nos processos de Coaching e Orientação Profissional "falsos tipos" também podem aparecer. Diante disso, o profissional deve estar muito afinado e sensível ao processo para não ir escancarando o tipo distorcido, como parto feito a fórceps. É preciso cuidado, cautela, pois assim como é simbolizado na animação, uma morte precisa ocorrer para o genuíno poder nascer. Adentrar o Mundo dos Esquecidos não é tarefa fácil e que não pode ser empreendida a qualquer momento... Tudo a seu tempo... A vida dá sinais sobre o momento em que a jornada heroica precisa ser empreendida. Momentos de perdas, fracassos, em que nos sentimos no fundo do posso, destruídos emocionalmente pode ser o sepulcro aguardando a transformação morte/vida. 

Diante da reflexão apresentada e das discussões propiciadas nos grupos, fica reforçado para mim o cuidado que temos que ter com teorias e instrumentos. Longe de categorizar ou rotular, tais recursos devem estar a serviço de algo maior. Ficar no rótulo não leva a lugar algum, pelo contrário, pode servir a um propósito contrário podendo estagnar e até impedir um processo de transformação. O resultado de um instrumento ou de uma avaliação deve servir como um ponto de partida para se explorar a dinâmica psíquica do sujeito, entender seus meandros energéticos, jamais como ponto de chegada! 

E para fechar, mais uma do mestre: "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana". (Jung)

Referências consultadas:


JUNG, C. G., A Prática da Psicoterapia. RJ: Vozes, 1985.
JUNG, C. G., Ab-reação, Análise de Sonhos e Psicologia da Transferência. RJ: Vozes, 1987.
VON FRANZ, M.L A Função Inferior. In: A Tipologia de Jung. São Paulo: Cultrix, 1990.
ZACHARIAS, J. J. M. Tipos a diversidade humana. São Paulo: Vetor, 2006. 

21 de setembro de 2016

CRISE, LIDERANÇA E PRINCÍPIO FEMININO

Semana passada, buscando referências e indicações de profissionais de Mentoring cheguei a uma matéria que me propiciou algumas reflexões e que me levaram a fazer um link entre as diferentes temáticas de estudo que tenho interesse. A matéria em questão foi: “Por empresas mais femininas”, de Vick Block, a qual inclusive, compartilhei em meu Linkedin.

O artigo explora uma pesquisa que aponta a relevância e importância de se ter mulheres no comando das organizações. Longe de ser o levantamento de bandeira feminista, o artigo aborda como o panorama atual precisa resgatar dos valores do princípio feminino que foram perdidos e execrados pela cultura patriarcal.

Abro um parêntese, para explicar dentro da perspectiva junguiana que masculino e feminino, na qualidade de princípio, energia, essência, não se restringem apenas ao gênero homem/mulher. Seria como os princípios  YIN/YANG da tradição chinesa. O princípio masculino é a energia da força, da direção, da determinação, objetividade, concretude, corte, assertividade e está presente tanto em homens como em mulheres; assim como o princípio feminino, que também está presente em homens e mulheres, mas que carrega outro tipo de energia: do acolhimento, cuidado, aconchego, nutrição, inclusão, suporte, subjetividade, desenvolvimento, envolvimento. Masculino/Feminino não são opostos no sentindo de um melhor que o outro; ou um mais positivo que o outro, mas sim opostos complementares. Ambos precisam existir e se relacionar. O problema é o excesso, a sobreposição. Por isso, escolhi a imagem do TAO, no sentido de simbolizar a complementaridade de ambos.  

O modelo de gestão CHEFE é totalmente impregnado pelo princípio masculino.  Até recentemente, esse era o modelo valorizado: alguém que usava o seu poder de forma diretiva, mas abusiva para que as pessoas o obedecessem, mantendo a sua equipe em posição inferior. Infelizmente, essa realidade ainda ocorre em muitas empresas, mesmo mostrando-se cada vez mais menos efetiva e competitiva. Contudo, o atual panorama tem mostrado que esse modelo de gestão tão unilateral e calcado no princípio masculino, mesmo tendo tido sua importância e relevância em muitas conquistas e produções , está perdendo espaço: aquele que ordena, grita, chegando até a humilhar a equipe e a gerir num clima de medo perdeu sua vez. Hoje, o modelo de gestão exigido é outro, sendo o capital humano um fator importantíssimo a ser identificado, valorizado, desenvolvido e não mais acuado.

De acordo com Block, “Estudos têm demonstrado que as competências mais requisitadas nas organizações atualmente são as características consideradas femininas, como paixão, preocupação com valores, causa, administração de conflitos a favor do grupo, inspiração, flexibilidade, preocupação com as pessoas, brilho nos olhos, acolhimento, coesão.”

As competências descritas por Block vão ao encontro do novo paradigma empresarial simbolizado pela figura do LÍDER COACH, modelo de gestão muito mais eficiente e que ganha cada vez mais espaço, trazendo crescimento não apenas econômico, mas humano. 

De acordo com Di Stéfano (2005), o líder é o responsável por criar o clima organizacional a fim de que a sua equipe produza e consiga alcançar os melhores resultados. Desta forma, precisa ser um mobilizador, alguém que motive o crescimento dos liderados, contribuindo para formar equipes autossustentáveis. Segundo o autor, o líder-coach desenvolve a liderança pela admiração, ou seja, conquista a lealdade dos liderados, sendo referência para a equipe. As pessoas tendem a não querer desapontar quem admiram, então se empenham mais, podendo agir com maior motivação. O que as pesquisa apontam é que ser humano aprende e se desenvolve quando percebe que sua dignidade está sendo respeitada. Dentre as características do líder coach, podemos destacar: 
  • habilidade em compartilhar conhecimentos, gerenciar a si mesmo, desenvolver o autoconhecimento e as competências pessoais;
  • é alguém que não costuma aconselhar, ou dar respostar prontas, mas que procura trabalhar a autonomia da equipe, ajudando cada um a aprender a pensar soluções por si próprio;
  • que não quer mudar a personalidade de ninguém, mas ajudar a expandir a quantidade de respostas, aumentar as escolhas diante das circunstâncias e desenvolver possibilidades de respostas mais efetivas;
  • que faz perguntas que conduzam o liderado a reflexões efetivas e mobilizadoras.

A partir da visão de Di Stéfano, fica evidente que para a implementação do novo paradigma da empresa humanizada através da figura do líder coach,  o FEMININO, não apenas na perspectiva de gênero (ter mais mulheres no comando), mas na qualidade de PRINCÍPIO precisa ser incorporado, cultivado e desenvolvido no meio corporativo.  Apenas desta forma que as empresas poderão se tornar mais humanas, adaptadas e produtivas perante o atual cenário mundial e econômico. Portanto, o conceito de líder coach traz o resgate da essência do feminino como princípio: não existe possibilidade de criar uma cultura organizacional mais humanizada, na qual o líder coach seja o modelo de referência sem que se desenvolvam características do universo feminino. 

Dar mais espaço para as mulheres assumirem o comando é um passo, mas a mudança de visão e de valores, ampliando o FEMININO dentro da perspectiva aqui apresentada é crucial!


Referências consultadas:
DI STÉFANO, R. O líder: coach. São Paulo: Qualitymark, 2005.