24 de junho de 2009

Em busca de uma expectativa ideal...

Semana passada, assisti pela segunda vez, a um filme muito especial, que suscitou muitas reflexões acerca do processo de individuação, assunto que comecei a discutir no post passado.

O filme em questão é “Meu melhor amigo”. Filme sensível, profundo, doído, ao mesmo tempo que alegre. Conta a historia de uma garotinha, abandonada pela mãe, que muda de cidade com o pai que é pastor.

Sentindo-se solitária no primeiro culto do pai, pede a Deus um amigo, pois as crianças da cidade da sua idade não dão muita atenção à ela.

Eis que seu pedido é atendido, mas diria, de um jeito nem um pouco convencional: um cachorro se apresenta em sua vida. A garota o salva de uma enorme confusão dentro de um supermercado.

Um lindo processo de amizade desenvolve-se entre eles. A garotinha compartilha suas emoções, seus medos, alegrias com o cão, que a escuta atentamente. Através da amizade entre eles a garota consegue se aproximar do pai, conversando mais com ele, principalmente a respeito de sua mãe.

Através da amizade com o cão, ela amplia seu leque de amizade, pois gradativamente o cãozinho a aproxima de todas as pessoas segregadas da cidade, que por suas peculiaridades, foram excluídas do convívio social.

A garotinha vai descobrindo e aprendendo de maneira mágica que a vida tem bons e maus momentos, assim como a bala, que tem um gosto doce com um toque de tristeza. Aprende também que olhar para ambos os aspectos com o mesmo carinho e atenção é muito importante.

Cada novo amigo que conhece tem algo a lhe ensinar. Ao ouvir suas histórias de conquista e perdas, cresce e aprende com eles. Seu grande aprendizado é justamente acolher os dois lados: triste X alegre; bonito X feio; cheiroso X fedido; bruxa X santa. Desta forma, a garota funciona como um elemento agregador da cidade, reaproximando as pessoas em suas tristezas e alegrias.

A garotinha ensina a todos a importância de olhar para dentro de si, para ambos os aspectos da alma e constata a importantíssima lição: para ter um amigo, é necessário saber ouvir. Faço um parênteses nessa parte e sugiro a leitura da crônica de Rubem Alves “A Escutatória”, que aborda essa questão.

Percebe o efeito transformador de ter ouvidos atentos às historias conta; assim como de ouvir atentamente as histórias dos outros, não apenas com seus ouvidos, mas com seu coração. Percebe como essa valiosa troca alimenta sua alma.

E assim, desse jeito inusitado, salvando um cão de uma enorme confusão, que tem seu pedido atendido: constrói uma linda e transformadora rede de amizade. O cãozinho é um presente na vida de todos, pois os salva da prisão de si mesmos. Acaba por ensinar a importante lição: respeito pela alteridade.

Apresentado o filme, apresento minhas reflexões. Acho que esse filme retrata magnificamente o processo de autoconhecimento (individuação). Reflete o confronto corajoso e heróico com as tristezas e alegrias da vida e, principalmente, sobre a importância da entrega em relacionamentos genuínos, nos quais as trocas são verdadeiras. Acredito que a mensagem que esse filme traz é o ensinamento de atendermos o chamado da vida e, de aceitarmos nosso pedido do jeito que ele se apresentar. Caso a garotinha estivesse apegada a um modelo de amigo ideal, com características especificas, não acataria o chamado de acolher um pobre cãozinho, metido em confusão. Não o acolhendo, perderia a oportunidade de desenvolver novas amizades e, acabaria de fato sem nenhum amigo.

Esse filme é uma excelente metáfora para olharmos para nossos pedidos e avaliarmos se não estamos sendo rígidos e exigentes demais, apegados a uma expectativa ideal e irreal e, se de repente, não estamos perdendo oportunidades valiosas de nos autoconhecermos...



Lilian Loureiro

17 de junho de 2009

O que é o processo de individuação?


Hoje, enquanto estava trabalhando, com a TV ligada (péssimo exemplo alias... rs) assisti mais uma vez a propaganda que tanto gosto da Fiat: a do novo Fiat Pálio 2010. Aquela em que um cara, senta-se a frente do juiz e pede para separar-se de sua alma, pois os caminhos que escolhem são muito diferentes. Enquanto seu ideal é comer comida natureba, sua alma insiste em comer cheeseburger... O final da propaganda mostra o real encontro do cara com sua alma, no momento em que vislumbram algo em comum: no caso, o palio.

Quem fez essa propaganda teve uma ótima sacada e muito provavelmente faz análise, ou acompanha alguém que faça. Afinal, ela retrata fidedignamente muitas situações, que todos nós vivenciamos dia-a-dia, entre o que queremos idealmente e o que podemos de fato. É uma propaganda muito boa e sempre a uso como exemplo com meus pacientes.

Ela retrata metaforicamente o que é o processo de individuação, que nada mais é do que nosso processo de autoconhecimento.

Segue a definição de individuação que usei em meu TCC:
(...) a psicologia analítica entende que o desenvolvimento psicológico se dá a partir da diferenciação progressiva do ego em relação ao Self e, este processo, chama-se individuação. Ele se dá a partir do processo dialético do ego com os conteúdos inconscientes e sua função é a integração de tais conteúdos, permitindo assim, que o sujeito vá se aproximando de sua verdadeira essência, para se tornar um ser individuado. O processo de individuação sempre esta presente, mas é na segunda metade da vida (metanóia) que ele se torna mais relevante. Durante a primeira metade da vida, o ego para se consolidar, vai se relacionando com o mundo e se diferenciando do Self; já na segunda metade, quando o ego já está consolidado, há um retorno ao Self, mas de uma maneira diferenciada, e é este novo confronto que se caracteriza como individuação. (Loureiro, 2003, p. 12)

É muito comum traçarmos uma meta, um caminho de vida, tipo quando crescer quero ser advogada, professora, veterinária, entre muitos outros exemplos. Muitas vezes por mais que nos esforcemos, não conseguimos concretizar o sonho, como o idealizamos. É como se uma força, contraria à nossa vontade nos impulsionasse por outros caminhos. Às vezes, quanto mais tentamos brigar com essa força, mais ela se faz presente, mostrando quão capaz ela é. Acabamos ficando irritados, frustrados e teimosos, até que não conseguimos mais lutar contra a maré e nos entregamos a ela... Daí é muito comum acontecer algo, que muitas pessoas julgam como mágico: depois que desistem de lutar e aceitam o chamado da vida, muitos dos projetos iniciais se desenvolvem, mas não conforme haviam sido planejados, mas de uma maneira inédita e muitas vezes até melhor. Ao invés de lutar contra a onda, aprendem a usá-las a seu favor, como quando pegamos “jacaré”...

É como a propaganda retrata: quando a cara desencana de brigar com sua alma e resolve sair de casa, percebe que têm algo em comum com ela: o gosto pelo carro. No exemplo acima, é como se a pessoa, depois de sofrer muito no processo de decisão por uma das profissões almejadas na infância, se formasse em direito e, ao longo da vida, percebesse que alem de exercer a profissão, acaba defendendo a causa dos animais, por exemplo (amparando seu amor pela veterinária), e, alem disso, transmitindo todo conhecimento adquirido através do ensino.

O processo de individuação é isso: ouvir e atender o chamado da alma, o caminho que ela aponta, por mais que isso contradiga a verdade consciente, ou melhor, o desejo, que muitas vezes entendemos como a correta.

Deve ficar claro que isso não quer dizer resignação, apatia, não ir atrás de sonhos e ideais, resumidamente, passar o dia sentado no sofá, esperando “a alma” fazer seu trabalho. Muito pelo contrário. É como sempre falo para meus pacientes: você precisa fazer sua parte para que a vida faça a dela! E, quando obstáculos, frustrações invadem nosso caminho, e destroem nossos projetos e sonhos, aí sim é o momento de busca, para entender o significado e finalidade dessa experiência. Muitas vezes o aprendizado por trás é a desconstrução do ideal, perfeito e “redondinho” e a inevitável aceitação do real, com todos os “defeitos” que são inerentes... No final, depois que reconhecermos humildemente até onde podemos ir, a recompensa será inevitável. No caso da propaganda, o encontro simbolizado pelo carro.

Segue o link da propaganda:

http://www.youtube.com/watch?v=QF0V3z0Uwxk

Até mais,

Lilian Loureiro

9 de junho de 2009

Desmistificando a psicoterapia...

Infelizmente ainda são comuns alguns preconceitos arcaicos (visão de psicoterapia do século retrasado!) acerca do é psicologia, psicoterapia? Quem deve fazer? Porque deve fazer? Entre outros...

É uma pena que ainda existam os tabus do tipo: “terapia é para loucos”; “se tenho amigos para conversar, porque vou pagar para alguém me ouvir”, entre outras pérolas que escuto por ai.

Sempre que tenho oportunidade, gosto de conversar a esse respeito. É claro que com pessoas que mostram interesse. Gosto de ajudá-las a perceber seu ângulo de visão restrito acerca do que é psicoterapia e, assim ampliar sua visão, enxergando o tema de uma maneira mais abrangente e principalmente mais saudável. Alias, aproveitando o ensejo, ampliar o estreitamento de visão de vida é uma das principais funções da psicoterapia. Sem querer, a pessoa que se abre para enxergar o tema de uma maneira diferente, vivencia um pouco do que é o processo psicoterapêutico.

Psicoterapia não é apenas para quem está psiquicamente doente, com depressão grave, alucinando, pensando em suicídio, à beira de um colapso nervoso, com uma doença orgânica grave, em processo de separação, em luto, dentre muitas outras razões tão intensas e graves como essas.

Em minha experiência clínica, tenho notado que tais questões, vamos dizer, emergenciais, acabam sendo um estopim. Se apresentam como uma finalidade maior: levar a pessoa ao processo de autoconhecimento.

Em psicologia analítica entendemos que em qualquer sintoma, seja físico ou emocional, há uma finalidade. Nesse sentido, o sintoma, qualquer que seja, é visto de maneira prospectiva: aponta para algo maior, um caminho a ser explorado e conhecido. Ele está a serviço de algo maior que é a conexão com o aspecto desconhecido que existe dentro de nós.

Peço desculpas pela minha expressão coloquial, mas tem aquele ditado que diz ”a água precisa bater na bunda para que alguma coisa seja feita”. Muitas pessoas, só procuram a psicoterapia quando estão no seu limite, quando a água bateu e percebem “e agora”. A água pode ser qualquer uma das possibilidades que apresentei anteriormente.

É quase um presente quando recebo pacientes em meu consultório que dizem não ter nenhuma questão emergencial. O objetivo de estarem ali é para se conhecerem. É lindo observar a escolha corajosa de tanto se deparar com a autopercepção e reconhecimento de pontos fortes, talvez ainda despercebidos, assim como de pontos fracos.

Conforme mencionei na reflexão sobre “Resiliência”, dentre outras características, uma pessoa resiliente é aquela que, por escolha, olha, reconhece, acolhe e desenvolve seus pontos francos. Afinal, em bifurcações futuras, a percepção dos aspectos desfavoráveis da personalidade, pode fazer toda a diferença.

E, a psicoterapia, alem de acolher e amparar questões emergenciais está a serviço disso! Explorar aspectos desconhecidos da nossa personalidade que interferem negativamente nas nossas relações interpessoais, em nosso trabalho, enfim.

Diferente de um amigo que ouve nossas aflições, que dá conselhos pessoais sobre o problema, o psicólogo ouve e acolhe, para compreender junto com o paciente o que está acontecendo. O processo terapêutico, acontece pelo vínculo que se estabelece. Na relação estabelecida, não há manifestação de opiniões pessoas, pois isso instiga possíveis sensações de julgamento pelo paciente. O objetivo é entender a serviço do quê aquele problema está.

Lembremos da visão prospectiva que apresentei: em qualquer sintoma, questão, há uma finalidade intrínseca: um caminho sendo apontando e um convite para ser conhecido. E, um profissional capacitado, junto com você auxilia na identificação dessas pistas! Muitas vezes o fato de você reconhecer que tem 1 hora por semana ouvidos atentos e acolhedores para te ouvir, desencadeia um processo belíssimo: você mesmo se ouve! Você sai dos seus pensamentos e verbaliza suas emoções. Colocando-as para fora, se arejam e quando entram novamente em você, através dos seus ouvidos, a perspectiva muda!


Portanto, cabe destacar que psicólogos e amigos não são rivais, pelo contrário são aliados no processo de autoconhecimento. E, que, não é apenas em momentos tensos e difíceis que a psicoterapia é boa pedida. Sempre é, desde que esteja disposto a deparar-se com aspectos belos e sombrios de si mesmo.

Espero ter ajudado na desconstrução desses tabus. Aos interessados no assunto, que ficaram com “gostinho de quero mais”, indico a leitura do livro “Os desafios da psicoterapia”. Um livro sensacional, acessível ao publico leigo e que dá uma noção bastante realista do processo terapêutico.


Lilian Loureiro